Artigo faz uma análise da ação da mídia
A importância da mídia em geral na criação da identidade social parece inquestionável. Não é exagero dizer que a mídia e a identidade social no mundo atual se equivalem, não sendo mais possível dizer quem influencia quem. Nesta reciprocidade mútua de influências, as transformações se realizam de ambos os lados.
Diante disso, não é difícil entender porque até um determinado momento o entretenimento de massa representava primordialmente a vida real. Procurando, porém, retratar o extraordinário e, depois disso, tendo sua influência no real se tornado grande demais, ele passou a representar a si mesmo, perdendo o critério do que seria real e do que seria representação. Daí a multiplicação dos reality shows e dos programas fundados em modelos estéticos de enfoque do real.
Na sociedade complexa contemporânea, as pessoas não sabem mais certamente quem elas são ou qual o papel delas dentro da sociedade. Isso ocorreu porque os valores foram relativizados e as pessoas tiveram sua identidade perdida, passando a procurar essa identidade nos objetos de consumo.
Essa relativização de valores torna os critérios éticos tão fluídicos quanto as variações da economia liberal. Afinal, o mercado de consumo dita padrões de comportamento na sociedade atual. Isso significa, entre outras coisas, que a mídia atualmente não apenas retrata aquilo que possui status como também determina a chancela de tal status. Tal feito é empreendido na construção de identidades pela mídia a serem consumidas pelos através dos meios de comunicação de massa.
A mídia torna-se fundamentalmente publicitária, tendo o objetivo de gerar consumo de formas de vida, de identidades e de pessoas. Além, obviamente dos produtos de consumo que tanto patrocinam como são patrocinados, ou seja a prática da comunicação de massa torna-se uma forma de encontrarmos a nós mesmos ou, pelo menos, algum parâmetro para nossa identificação.
A relação de consumo é fundamental na nossa sociedade. A observação é uma maneira de consumir. E, como se sabe, produtos são produzidos em vista de um público-alvo. A produção só existe em vista de e por ser consumida. O consumidor, o público-alvo, estabelece seu papel social a partir dos produtos que consome.
Argumenta-se que os humanos têm necessidades básicas, mas que estas assumem diferentes formas culturais em sociedades diversas. A cultura não ‘influencia’ o consumo ou impõe formas específicas para necessidades básicas, antes a cultura constitui as necessidades, objetos e práticas que significam o consumo. Não é um adendo extra, ou apenas uma decoração frívola, superficial ou luxuriante pintada sobre desejos naturais por civilizações que se sucedem.
Cultura, então, representa o fato de que toda vida social é significativa, e que necessidades e usos só podem despertar dentro de um sistema de vida particular. Somente em virtude da natureza cultural da vida social podemos experimentar necessidades em primeiro plano ou identificar objetos que poderiam satisfazê-las
A cultura do consumo é uma cultura do consumismo, abrangendo valores, idéias, aspirações, identidades que definirão e orientarão a relação do consumidor com os diversos âmbitos de sua vida (social, religiosa, afetiva, etc). É também uma cultura da sociedade de mercado, universal e impessoal. Identifica liberdade com escolha privada e vida privada, sendo as necessidades do consumo são ilimitadas e insaciáveis.
Consumir é, em alguma medida, uma busca e uma afirmação de identidade, da realização de “planos de vida” do sujeito que, em tempos atuais, parece tão carente “de si mesmo”, tão vazio de sonhos.
Entretanto, em contraposição a essa perspectiva tem-se um interessante fenômeno da mídia contemporânea, que é o ‘consumo das identidades’, bastante claro no tremendo sucesso dos reality shows, onde o indivíduo consome o cotidiano comum e banal de outros sujeitos tão comuns quanto ele, entretanto, glamourizados pela telinha mágica da TV. É inviável afirmar que os usuais consumidores desse tipo de programa sejam conscientes de que estão comprando uma imitação de realidade, que se responde a uma demanda interna por modelos heróicos modernos de identidade.para responder às necessidades da modernidade.
As principais características da modernidade são o desapego às formas tradicionais de se entender o mundo, a provisoriedade dos mecanismos de relações sociais e afetivas, e um acelerado processo da individualização, tendo como conseqüências a predominância do imediatismo e a reiteração das leis de consumo. Em outras palavras, inaugurou-se um tempo de liberdade, ao mesmo tempo, de insegurança.
É da transição para essa modernidade, das suas contradições, consequências e sentidos, que trata Bauman em sua “Modernidade Líquida”; o epíteto “líquida” refere-se as principais particularidades dos fluídos: a inconstância e a mobilidade, tão características das relações sociais contemporâneas. Bauman afirma que, há cerca de cinqüenta anos, as previsões populares sobre o futuro travavam-se pelo confronto da visão de Aldous Huxley, em “Admirável Mundo Novo” e a de George Orwell, no livro “1984”.
O primeiro escritor retratou uma sociedade plenamente feliz e organizada, vivendo na opulência, devassidão e saciedade. George Orwell, por seu turno, apresentou a idéia de uma sociedade situada em um futuro próximo, tomada pela miséria e pela escassez, e dominada por um governo totalitário.
Apesar de antagônicas, as duas visões citadas convergiam em um ponto: no professar de uma civilização estritamente controlada. A de Huxley, mediante doses regulares de felicidade quimicamente transmitidas e pelas ideologias propagadas em cursos ministrados durante o sono; a de Orwell, pelo Grande Irmão.
Essa nova modernidade representa uma época na qual violência e individualismo são exacerbados e fazem parte de um mesmo sistema, instalados em não-lugares, em “terras-de-ninguém”, ou seja, a liquidez dessa modernidade representa a dissolução das consagradas e tradicionais identidades culturais.
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