quarta-feira, 26 de outubro de 2011

MANUEL DE REDAÇÃO

 Errar é umano, mas brincadeira tem ora    
     
Há erros que não podem acontecer em jornalismo. No meu início de carreira o editor bradava a pleno pulmões na redação ao detectar um determinado erro que aquilo era como um cirurgião ter esquecido o bisturi na barriga do paciente. Errar na redação era algo inconcebível e muitos temiam parar na guilhotinha (um aparelho em desuso que servia para cortar o bloco de papel utilizado nas máquinas de escrever. Tanto papel para escrever como máquina datilográfica são coisas do passado) ou melhor dizendo, no olho da rua.
     
       Por outro lado (por outro lado era uma forma bacana de escrever - bacana era algo entre o aceitável e uma gíria - dando ao leitor a impressão de que o autor do texto era alguém muito especial, pois fora dos jornais, mas ninguém usava esse maneirismo). Um dia, o editor — não sei se o mesmo — exausto em ver o jornal apinhado de "por outro lado" proibiu a sua utilização em todas as editorias do jornal.

      Todavia, contudo, porém a vida seguiu com o jornal e também os outros cometendo seus erros diários e vez por outra, alguém esquecendo o bisturi na barriga do paciente. Algo como chamar Manual de Redação de Manuel de Redação.

     Felizmente, ao contrário do mundo da perfeição de um jornalismo utópico, muitas lambanças são e continuarão sendo cometidas. Diante disso, algum sábio trocou o nome do curso superior (não tão superior na análise de alguns) para Comunicação Social. Isso significa que mas do que Jornalismo, o profissional da área deve ser um comunicador. Se o leitor — na maioria das vezes, se o leitor, pouco escolarizado ou mesmo com cursos superior, não tão íntimo da Língua Portuguesa ou talvez preocupado com coisas mais importantes — entendeu a mensagem, o recado foi dado e o objetivo cumprido.

     E na maneira de escrever, o fundamental é saber prender o leitor. De preferência que ele leia o que Mr. Lead recomendou (as quatro ou cinco linhas iniciais da matéria, se houver necessidade seis, mas não mais que isso). Nessas seis linhas, você terá de ser capaz de pedir o parceiro ou parceira em casamento, convencer que você é o cara ou a cara, explicar que sua conta bancária não é das melhores, mas está em franco crescimento e no final de tudo receber um SIM.

     Vencido o desafio do Lead você corre para um abraço e vai para o Sub Lead. É preciso não esmorecer. Muitas vezes tudo pode ir por água abaixo nessa sequencia. Ela costuma ser trágica, justamente quando o que vem escrito contradiz o que foi dito anteriormente, na melhor linha Raul Seixas de "eu prefiro dizer o oposto do que disse antes". Em muitos casos, na redação da notícia não é de bom tom se tentar ser a tal de "metamorfose ambulante". O leitor pode não gostar e o editor muito menos ainda.

   Na hora da notícia é prioritário não chamar Manuel de Manoel (esse simples u pode ser objeto de uma queixa do famoso cidadão ao comandante do seu barco. Pior ainda se a queixa for direta ao patrão. Pior ainda se o Manuel Pereira Sardinha for companheiro do jogo de peteca na praia de Ipanema com o ilustre empresário das Comunicações que garante o seu suado dinheiro do final do mês).

  Erre tudo. Erre a capital da Inglaterra, o nome do papa, do ministro de qualquer coisa, mas não erre o nome do melhor amigo do homem.

  Por isso, é importante não confiar na memória. Depois de escrever o Lead é fundamental rever, rever e rever. Saia tome um cafezinho ou beba uma água e faça nova revisão. Se você apresentar o Manual de Redação como Manuel de Redação a sua credibilidade pode ser posta a prova. É como no futebol: você é o maior roubador de bola da equipe. O faz tudo. Corre pelos cracaços. Ganha salário inferior e não reclama. Marca o adversário em cima. Mas, quando o time perde, o que todos vão falar é a da sua má qualidade no passe.

 Você — no melhor estilo do jornalismo investigativo — descobre a falcatrua de um ministro (nos últimos tempos já não é tão novidade assim). De qualquer forma, é algo importante para o seu veículo. Mas, se na hora do pênalti você não estiver bem preparado o mundo pode desabar aos seus pés.

E independente da idade você ouvirá sua vó, sua mãe ou alguém na vizinhança cantando uma velha canção da Maísa: "Meu mundo caiu e me fez ficar assim. Você conseguiu e agora diz que tem pena de mim...".

Esse você consegui será sempre um sujeito indeterminado, oculto ou mais do que presente. Você culpará o pai e a mãe por não o terem colocado em uma boa escola. Culpará a família por não serem aqueles tradicionais que passam os gens de pais para filhos, muitos enriquecendo sem necessidade de trabalhar. Você culpará o modelo econômico, o capitalismo, a democracia mambembe, os professores, os amigos, o cachorro e o papagaio. Nada disso adiantará. No fim de tudo, só servirá o consolo da canção: "Se meu mundo caiu. Eu que aprenda a levantar".
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Mauricio Figueiredo

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