Sobre o domínio do Crack
Karl Marx,
pensador do século XIX, ao analisar a sociedade capitalista de sua época,
classificou as divisões entre burgueses e proletariado, operários a patrões.
Mas dizia também haver o
Lumpém-proletariado, isto é, os trabalhadores desempregados, que andavam pelas
ruas, passando fome, a procura de emprego.
Marx não
chegou a conhecer os viciados em Crack, que no meu entender estão em situação
aguda de desamparo social, indo mais fundo na escala do lumpesinato, pois o que
define o Lumpém é sua mobilidade social, podendo, e desejando deixar o que Marx
chamava de “exército industrial de reserva”, ao conseguir um emprego.
Ninguém duvida
que o crack, é hoje um grave problema social e de saúde. E por ser grave,
necessita de soluções rápidas e efetivas, acompanhadas de revisão urgente da
política de drogas vigente, pois as medidas assistenciais específicas não estão
disponíveis.
O crack, devido a sua facilidade de ser
encontrado, e sua acessibilidade às pessoas de baixo poder aquisitivo, faz dele
atualmente substância mais procurada entre as demais drogas. Seu formato é de
pedra e custa menos do que a cocaína em pó, por ser um derivado mais grosseiro,
obtido da mistura da pasta com bicarbonato de sódio.
Ele alcança o
pulmão, o qual absorve imediatamente a fumaça aspirada, encurtando o
caminho para chegar ao cérebro, surgindo os efeitos da cocaína muito mais
rápido do que pelas vias nasal e endovenosa.
Segundo
estudos do CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas de 2003, o
usuário tem a tendência de querer doses maiores em busca de efeitos mais
intensos. Porém, tais doses maiores levam a um comportamento violento,
irritabilidade, tremores e atitudes bizarras, devido ao aparecimento de
paranóias (noia para os viciados).
Medo e
desconfianças crescentes, são consequências desse estado que leva os usuários a
situações de extrema agressividade. Alucinações e delírios podem aparecer e
completar um quadro que é conhecido como “psicose cocaínica”.
Quando sob o
domínio do crack, muitos viciados se isolam e, mesmo que temporariamente, se
tornam indigentes. A substância transforma o usuário e o mantém arredio,
impossível de manter relações com parentes e amigos, chegando a afastá-lo do
trabalho. Em alguns casos a degradação pode dar-se em poucas semanas.
O usuário
emagrece rapidamente, já que a cocaína inibe o apetite; fica sem dormir,
deixando de lado a higiene pessoal. À medida que o consumo de crack progride,
chega a fase das reações paranóicas. O viciado acha que está sendo perseguido e
tem pensamentos obsessivos – vem daí o apelido de “noia” ou “noiado” que esses
dependentes carregam.
Os que se vê nas ruas em Bonsucesso, no Rio de Janeiro, em São Paulo, são viciados,
frutos da degeneração capitalista, que já não procuram emprego, vivendo da
mendicância, até o momento final.
É uma droga
que causa dependência e danos físicos rapidamente e que apesar dos indícios do
uso entre pessoas da classe média, afeta mais diretamente populações mais
vulneráveis.
E o resultado:
filhos gerados em meio ao vício, abandonados, não raras vezes doentes! Filhos
da degradação humana, da humilhação e indignidade no seu limite máximo!Onde
estão as políticas públicas para essas crianças ignoradas, invisíveis?Onde?
Essa questão é
bem interessante. Sim, as conformações e condicionantes sociais atuam sobre os
indivíduos, mas temos em uma mesma família e grupo social pessoas que se
desviam para o caminho do crime, das drogas, da dissolução, e outras que não o
fazem - o que comprova a existência de algum componente individual
nas escolhas e no destino de cada um. Claro que há uma correlação entre drogas
baratas e usuários pobres, assim como há entre drogas caras e usuários ricos,
correlação essa que às vezes se inverte, por ironia do acaso.
No capitalismo
e, na nossa democracia normativa de mercado muitos não podem, simplesmente,
serem senhores do seu destino. Não se escolhe viver na encosta do morro, sem água
ou saneamento e sobreviver de subempregos como não se escolhe - pelo menos a
maioria dos drogadictos - entre usar esta ou aquela droga ou não usar. É uma
questão de excessiva oferta - de drogas - combinada com a falta de escolhas ou
perspectivas. Elas muitas vezes estão incorporadas as comunidades - junto com o
trafico e o crime - como a ausência e omissão do Estado - a não ser pela
policia. Numa tradição avessa a democracia, autoritária e subserviente aos
senhores e/ou poderosos do dia, a corda sempre vai arrebentar do lado mais
fraco - indivíduo e sociedade. A escala deve ser invertida na hierarquia de
responsabilidades com relação ao problema do crack e das drogas pelo simples
motivo de que se trata de uma questão de saúde e segurança públicas.
Por outro
lado, é o preconceito e o caráter individualista/personalista da sociedade que
simplesmente joga nas costas do indivíduo - a despeito das suas condições -
todo o seu destino. Exatamente como fazem os americanos exigindo, conforme os
seus padrões e dogmas, que se seja winner ou loser. Se o sujeito for bem
sucedido profissionalmente e, sobretudo, materialmente, ou um fracassado, em
ambos os casos no discurso e no imaginário social trata-se exclusivamente de
questão individual - self made man! Aos vencedores a glória, o prestigio e o
status e aos perdedores o desprezo, a lei e as armas!
O avesso dos valores
democráticos e de cidadania - senso de responsabilidade publica e social -, de
acordo, alias, com o discurso e valores, da ideologia neoliberal do Estado
mínimo.
O crack hoje se impõe como um desafio para as
políticas públicas. Não só pela quantidade, uma vez que o número de casos de
alcoolismo é bem maior — e ocupa cerca de 70% dos atendimentos dos Centros de
Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) — mas porque é preciso
encontrar uma nova estratégia de atuação.
Como em sua
maioria são trabalhadores, ou filhos destes, o Estado demorou a ter políticas
públicas para estes, até perceber que os filhos da burguesia também estão
viciados. E os que estão executando nada mais são do que maquiagem, numa
pratica higienista lamentável, sumindo com os usuários, dos olhos da classe
média assustada.
O crack é uma
droga que provoca uma dependência química rápida e devastadora e a forma de
tratar com este tipo de usuário está desafiando os setores de atendimento da
saúde, educação, assistência social, juventude e segurança. A política de
redução danos, que trata o usuário de drogas e álcool ainda durante o uso das
substâncias, não se aplica ao crack, pois o viciado não raciocina e dificulta
qualquer tipo de abordagem ou intervenção.
Também não é
possível acabar com a violência, aumentando o policiamento da cidade, pois isso
em nada afeta as causas reais da violência e do consumo da droga, que são as
profundas desigualdades sociais em que estão imersos nossos trabalhadores, a
falta de moradia, de saúde, de educação de qualidade, o desemprego que coloca a
juventude pobre e negra com uma única perspectiva: o tráfico de drogas.
Hoje é imprescindível a adoção de muito mais investimento na saúde e de uma
nova política sobre drogas que descriminalize e trate o usuário e ponha fim à
“guerra ao crack”, além de mais investimento na educação em todos os níveis. A
sociedade precisa urgente e verdadeiramente se unir para resolver esse grande
mal-social Se permitirmos que políticos, e somente eles, tentem encontrar uma solução,
estaremos incorrendo mais uma vez no mesmo erro,quando não nos rebelamos quanto
a favelização de nossas cidades, e fomos apenas gradeando casas e prédios,na
preocupação de nos defendermos da violência,situação da qual hoje somos reféns.
Como e o que fazer, não sei responder, mas
discutirmos sobre uma solução, por aqui,já é um bom começo,desde que não
fiquemos apenas no discurso e partamos para ação
Maximiano Laureano da Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário