(Os Ninguéns, Eduardo Galeano.)
“As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.”
Depois de a prefeitura do Rio de Janeiro agir sem uma polítíca clara de como lidar com os usários de Crack, finalmente aconteceu o que era algo como uma tragédia previsível: Um garoto de 8 anos morreu atropelado na manhã da quinta-feira, 10, na Avenida Brasil, zona norte do Rio, quando fugia de agentes da Polícia Militar e da secretaria municipal de Assistência Social que realizavam operação contra o crack. O acidente aconteceu por volta das 4h45 na Favela Nova Holanda, na região do Complexo da Maré, um dos maiores conjuntos de favelas da cidade, ainda não pacificada.
De acordo com policiais do Batalhão da Maré, o garoto tentou atravessar a pista correndo ao perceber a aproximação dos agentes da secretaria de Assistência Social. Os usuários de droga menores de idade recolhidos na operação são encaminhados compulsoriamente para tratamento em abrigos municipais.
Locais conhecidos como pontos para o consumo de drogas, as favelas Parque União e Nova Holanda, na altura da Avenida Brasil, são alvos constantes de ações da prefeitura para o combate ao crack desde outubro. As operações começaram após a ocupação da polícia nas favelas de Manguinhos e Jacarezinho, onde os usuários de drogas se concentravam. Em novembro, outro usuário de crack morreu ao ser atropelado na região.
Os usuários ficavam como gado a espera do abate, em plena Avenida Brasil, consumindo e sendo consumidos pelo seu vício.E está cada vez aumentando o número de usuários e o pior, crianças da mesma idade, como esta que morreu hoje.
Essa criança era de uma família muito pobre, moradora da Vila Cruzeiro e esteve fora de casa por 10 dias.Nunca havia recebido a visita de assistentes sociais, mas ao morrer, virando manchete e estatística, sua mãe recebeu a visita de um carro lotado de assistentes sociais.
Tragédia anunciada e não é a primeira nem será a última, com essa intervenção desastrada do governo!
Outros podem pensar: “mais e daí? qual o problema em matar um garoto de 8 anos? esse aí nem era gente, era só mais um viciado; entra na lista de Zé Ninguéns...”
Ninguém duvida que o crack, é hoje um grave problema social e de saúde. E por ser grave, necessita de soluções rápidas e efetivas, acompanhadas de revisão urgente da política de drogas vigente, pois as medidas assistenciais específicas não estão disponíveis.
O crack, devido a sua facilidade de ser encontrado, e sua acessibilidade às pessoas de baixo poder aquisitivo, faz dele atualmente substância mais procurada entre as demais drogas. Seu formato é de pedra e custa menos do que a cocaína em pó, por ser um derivado mais grosseiro, obtido da mistura da pasta com bicarbonato de sódio.
Ele alcança o pulmão, o qual absorve imediatamente a fumaça aspirada, encurtando o caminho para chegar ao cérebro, surgindo os efeitos da cocaína muito mais rápido do que pelas vias nasal e endovenosa.
Segundo estudos do CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas de 2003, o usuário tem a tendência de querer doses maiores em busca de efeitos mais intensos. Porém, tais doses maiores levam a um comportamento violento, irritabilidade, tremores e atitudes bizarras, devido ao aparecimento de paranóias (noia para os viciados).
Parte da sociedade se pergunta, talvez, porque eles não se ajudam?Porque eles não deixam as pessoas ajudá-los?
Quando sob o domínio do crack, muitos viciados se isolam e, mesmo que temporariamente, se tornam indigentes. A substância transforma o usuário e o mantém arredio, impossível de manter relações com parentes e amigos, chegando a afastá-lo do trabalho. Em alguns casos a degradação pode dar-se em poucas semanas
Há a urgente necessidade de expansão da rede de atendimento extra-hospitalar e dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e o funcionamento 24 horas desses centros.
Assim como é necessário pensar o cuidado e o resgate aos usuários de crack.
É muito importante que os CAPS sejam referência de cuidado e atendimento. Estamos falando da construção de um atendimento integrado, contemplando a dimensão da saúde mental, com assistência social e geração de renda. É fundamental um amplo atendimento para resgate e cuidado aos usuários de crack..
Essa questão passa pela construção de um Plano de Ação Municipal para cuidado especializado para usuários de crack, e não simplesmente pela politica higienista da Internação Compulsória, mascaradora dada real situação dessa calamidade pública.
É importante termos uma dimensão do problema para aplicarmos a política com qualidade, para que sejam as mais adequadas para o cenário atual.Coisa que as politicas públicas dos governos do PMDB(governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes parecem não querer ou saber fazer
Segundo dados do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro há 6,3 mil pessoas em situação de rua, sendo cerca de 600 identificadas no perfil de demanda de um tratamento mais intensivo decorrente do uso do crack.
No capitalismo e, na nossa democracia normativa de mercado muitos não podem, simplesmente, serem senhores do seu destino. Não se escolhe viver na encosta do morro, sem água ou saneamento e sobreviver de subempregos como não se escolhe - pelo menos a maioria dos drogadictos - entre usar esta ou aquela droga ou não usar. É uma questão de excessiva oferta - de drogas - combinada com a falta de escolhas ou perspectivas. Elas muitas vezes estão incorporadas as comunidades - junto com o trafico e o crime - como a ausência e omissão do Estado - a não ser pela policia. Numa tradição avessa a democracia, autoritária e subserviente aos senhores e/ou poderosos do dia, a corda sempre vai arrebentar do lado mais fraco - indivíduo e sociedade. A escala deve ser invertida na hierarquia de responsabilidades com relação ao problema do crack e das drogas pelo simples motivo de que se trata de uma questão de saúde e segurança públicas.
O crack hoje se impõe como um desafio para as políticas públicas. Não só pela quantidade, uma vez que o número de casos de alcoolismo é bem maior — e ocupa cerca de 70% dos atendimentos dos Centros de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) — mas porque é preciso encontrar uma nova estratégia de atuação.
Como em sua maioria são trabalhadores, ou filhos destes, o Estado demorou a ter políticas públicas para estes, até perceber que os filhos da burguesia também estão viciados. E os que estão executando nada mais são do que maquiagem, numa pratica higienista lamentável, sumindo com os usuários, dos olhos da classe média assustada.
O crack é uma droga que provoca uma dependência química rápida e devastadora e a forma de tratar com este tipo de usuário está desafiando os setores de atendimento da saúde, educação, assistência social, juventude e segurança. A política de redução de danos, que trata o usuário de drogas e álcool ainda durante o uso das substâncias, não se aplica ao crack, pois o viciado não raciocina e dificulta qualquer tipo de abordagem ou intervenção.
Infelizmente há uma imensa dificuldade de instituir tratamento nos usuários, porque a droga muda as suas prioridades, Medo e desconfianças crescentes, são consequências desse estado que leva os/as usuários/as a situações de extrema agressividade. Alucinações e delírios podem aparecer e completar um quadro que é conhecido como “psicose cocaínica”. Acabando por não aderir ao tratamento da forma necessária. A partir disso a opção pela internação compulsória, e normalmente violenta, pode ser a pior escolha em casos como esses. O atropelamento e morte do usuário de 10 anos de idade parece comprovar esta teoria, infelizmente.
Uma pergunta que fica: quantos mais usuários de crack, crianças ou adultos, terão que morrer violentamente, até que a sociedade os vejam como o que são, seres humanos sofredores de transtornos mentais devido ao vicio de uma droga?
Se você é contra a internação compulsória de usuários de crack e está indignado com essa morte, compartilhe este texto, divulguem.
Maximiano Laureano da Silva
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