sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

PM de São Paulo, a que mais mata no mundo, é proibida de socorrer vítimas de crimes graves


O governo de São Paulo determinou que as vítimas de crimes graves não poderão mais ser socorridas pela polícia. O atendimento deverá feito pelo Samu ou pelos Bombeiros. Um dos objetivos da medida é preservar a cena do crime.
Agora, os policiais que atenderem casos de lesões corporais, homicídio ou tentativa, latrocínio - roubo seguido de morte - e sequestro com morte devem chamar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, o Samu. Policiais não podem mais socorrer os feridos por conta própria.
“Com o protocolo de atendimento você preserva a vida das pessoas feridas, você resguarda o trabalho policial. Queremos lisura do trabalho policial. Não queremos dúvidas”, afirmou Benedito Roberto Meira, comandante-geral da PM.
O veto à atuação de policiais em resgates de vítimas de crimes ou confrontos não prejudica a população e deve reduzir o número de ocorrências de mortes em São Paulo, aposta o idealizador da norma, o ouvidor da polícia Luiz Gonzaga Dantas. A prática de levar feridos para o hospital era tema de denúncias protocoladas junto ao órgão que recebe queixas de supostas execuções.
“O Estado, pela sua própria natureza, deve ser transparente. E a ação de seus policiais deve ser também transparente. O policial, no momento em que está exercendo sua função, é o Estado que está ali. E havia a desconfiança da população, em denúncias aqui (na Ouvidoria da Polícia), que mostravam que os policiais tinham feito o socorro de pessoas com ferimentos leves e, quando chegavam ao hospital, estavam mortas”, disse Dantas. “Como, por exemplo, uma pessoa que levou um tiro no braço, era socorrida e quando chegava ao hospital estava morta com três tiros”, acrescentou.
O primeiro caso aconteceu já no fim da tarde. Dois rapazes participaram de um roubo na Zona Sul de São Paulo. Um foi preso. O outro, baleado pela polícia. Os PMs ficaram em volta do ferido. O resgate dos Bombeiros chegou depois de 23 minutos. O rapaz foi socorrido com vida.
O atendimento a pessoas baleadas passa a seguir a mesma regra dos acidentes de trânsito. Se o policial for o primeiro a chegar, ele não põe a mão na vítima, apenas sinaliza o local, aciona as equipes de socorro, que vão chegar com equipamentos e prestar os primeiros socorros. Só depois a vítima vai para o hospital.
O promotor Felipe Levy Zilberman de Justiça teme que a resolução prejudique as vítimas. “As autoridades policiais têm o dever de prestar o socorro. Elas não podem se omitir. A omissão de um policial militar diante de alguém ferido na sua frente pode configurar um crime”, avaliou ele.
Mas segundo o  diretor do Samu na capital, Luiz Carlos Wilke o impacto da resolução será pequeno na demanda diária. "O policial faz a 'reboqueterapia'. Enfia a vítima na viatura e leva ao hospital mais próximo. Mas de que adianta levar alguém que levou um tiro na cabeça a um lugar sem neurocirurgião? Levando o paciente ao lugar certo, horas e horas de atendimento são ganhas."
Em cinco anos, a PM do Estado de São Paulo matou quase nove vezes mais do que a polícia norte-americana.
A escalada no número de mortos pela PM é acompanhada da onda de violência que se intensificou em outubro e provocou a queda do secretário da Segurança Pública Antonio Ferreira Pinto, em 21 de novembro - e sua substituição por Fernando Grella Vieira.
"Acho que se demonstra claramente a existência de uma política institucionalizada para matar. É impossível que se tenha tantas pessoas dispostas a morrer em confrontos com a PM. É preciso checar no que deu a investigação a respeito dessas mortes", diz o presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Ivan Seixas.
Em novembro, o servente Paulo Batista do Nascimento foi cercado e levou dois tiros disparados por policiais. Em seguida, foi levado dentro do carro da PM. Ele chegou ao hospital morto e com o sinal de um terceiro disparo.
A socióloga Nancy Cardia, do núcleo de Estudos da Violência da USP, apoia a medida. “Isso é correto porque o policial não domina os princípios de primeiros socorros. Mostra que o governo está interessado em reduzir as ações em que policiais usam da violência letal.”
A mesma resolução muda a forma de registro de confrontos entre suspeitos e policiais. Deixa de ser "resistência seguida de morte", passa a ser "lesão corporal ou morte em decorrência de intervenção policial".
A mudança busca também liberar mão de obra de policiais militares para preservar a cena do crime. "A modificação ajuda a garantir a qualidade das investigações e a evitar que provas sejam apagadas."
Outro benefício é dificultar casos de violência cometidos por PMs enquanto supostamente socorrem vítimas. Como o desvendado pela Corregedoria na sexta-feira, que levou à prisão seis policiais acusados de executar três jovens depois de serem colocados em uma viatura.
A proibição do termo "resistência seguida de morte" é fundamentalmente "simbólica", segundo Grella. "Sinaliza que estamos dispostos a investigar, antes de definir que o caso foi uma resistência.
“Quem vai dizer se houve resistência ou não é investigação, e não nome que se dá no registro da ocorrência.  O que não quer dizer que policial cometeu homicídio ou lesão corporal. Isso pode ter sido legítimo, porque nós sabemos que há uma criminalidade violenta que por vezes exige punição firme da polícia”, disse Fernando Grella Vieira, secretário de Segurança Pública de São Paulo.
A resolução, segundo o ouvidor, deve reduzir a letalidade em ocorrências envolvendo policiais, que só em 2012 somou 506 mortes, ante 438 em 2011. “Acredito que vai aumentar (a punição de policiais infratores) e diminuir a letalidade. No momento em que o policial não transporta a pessoa ferida para o hospital, ele vai esperar o Samu imediatamente chegar para fazer o socorro. Ele não vai mais poder inventar nada no caminho até o hospital”, disse. A norma publicada não especifica, no entanto, a quais sanções serão submetidos aqueles que descumprirem a norma.



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