Hoje para mim é um dia triste. O Massacre da Candelária, no qual crianças e adolescentes foram covardemente mortos, completou maioridade, isto é, há 18 anos ele aconteceu. Logo, pela lei brasileira, ele é responsável por seus atos, podendo ser punido exemplarmente como um adulto.
Infelizmente, isso é somente figura de retórica. Os policiais que fizeram tal massacre, muitos deles continuam impunes. Aqueles e aquelas que foram executados, estes nunca chegarão a completar 18 anos. Lhes foi arrancado as possibilidades: talvez viessem a ser bons cidadãos, quem sabe pudessem votar e vir a serem votados, ou quiçá dirigissem carros, e momento mágico, assistissem filmes de adultos.
Talvez aqui também haja mais uma contradição na retórica e na realidade, pois talvez eles nunca pudessem fazer isso mesmo. Mas os capitães do mato pós-modernos, vestidos com o uniforme da PM do estado do Rio de Janeiro, naquela noite lhes tirou o subjuntivo, o tempo verbal do que pode vir, ou não, a lhes acontecer.
E é mais especialmente triste para mim, pois lembro que conheci uma das vitímas, um dos moradores de rua de lá da Candelária. Negro, homossexual, esperto e talentoso no que sabia fazer. Estava participando de um festival de Teatro do Oprimido no centro cultural do Banco do Brasil – logo ele que era um depósito ambulante de opressões -, mas na noite anterior ao massacre, ele atuou em uma das peças apresentadas. Nos fez a todos rir, admirar e nos indignar com sua atuação.
No dia seguinte, a auto-profecia que pairava sobre sua cabeça se cumpriu: virou estatística junto com as outras crianças e adolescentes massacradas. Mais um número na imensa e vergonhosa lista de mortes racistas, preconceituosas executadas pelas forças policiais deste país.
Eles e elas foram mortos uma bala que foi disparada há muito tempo, e que ainda está em movimento. Esta mesma bala passou por Vigário Geral, cruzou fronteiras, foi até o Pará, em Eldorados dos Carajás, seguiu caminho até São Paulo, no Carandiru. Ricocheteou no morro do Alemão, no morro da Providência.
E hoje esta bala se encontra alojada no pescoço do menino Juan. Mas ela tem mais sede de sangue.
No movimento operário, quando se fala em um ato político, atividade, de alguém que partiu, se grita a plenos pulmões: “Companheiro “X”, presente!”. Como forma de saudar a luta daquela pessoa que se foi, e reafirma sua memória entre os que ficaram a lutar, como um sinal de que aquilo que se fez em vida a torna presente entre nós.
As meninas e meninos que foram barbaramente mortas na Candelária também estão presentes. Suas mortes pelos agentes da segurança burguesa não são, não serão e não podem ser esquecidas. Eles e elas são sim meus “companheiros”, pois dividiram comigo o pão da miséria que é viver sobre o regime capitalista racista brasileiro.
Max Laureano
Pai, professor e indignado.
The Candelaria Massacre
Today for me is a sad day. The Candelaria Massacre, in which children and teenagers were cowardly killed completed age, that is, it happened 18 years ago. Thus, under Brazilian law it is responsible for its actions, which may be exemplarily punished as an adult.
Unfortunately, this is just a figure of speech. The police officers who made such a massacre, many of them are still unpunished. Those who were executed will never become 18 years old. They were ripped off their possibilities: May they would had become good citizens, maybe they could vote and be voted, or perhaps drive cars, and in a magical moment, they might even some day would watch adult movies.
Perhaps here there is also another contradiction in the rhetoric and in the reality, as perhaps they would never do that. But the postmodern captains of the woods, dressed in the uniform of the PM of the state of Rio de Janeiro, at that night took the subjunctive tense of what may or may not happen to them.
And it is particularly sad for me because I remember I met one of the victims, homeless from Candelaria. He was afroamerican, queer, smart and talented at what he could do.
He was taking part in a festival of Theatre of the Oppressed in the cultural center of the Bank of Brazil - he who was a walking melting pot of oppressions - but at that night before the massacre, he starred in one of the presented plays. Made us all laugh and wonder with his performance.
In the next day, a self-fulfilling prophecy that hung over his head was fulfilled: he became statistical data along with other children and teenagers slaughtered. One more number in a huge list of shameful and racist deaths, executed by police forces of Brazil.
They were killed by a bullet that was shot a long time ago, and it is still in motion. This same bullet went through Vigário Geral, crossed borders, went to Para, in Eldorado dos Carajas, made its way to Sao Paulo, at Carandiru. Bounced off the Morro do Alemão and Morro da Providência, favelas in Rio de Janeiro.
And today this bullet is lodged in the boy killed by the police named Juan’s neck. But it still thirsty for black people blood.
In the labor movement, in a political act, and someone who died is remembered, it is a tradition to shout loudly: "Companion" X "present." As a way to welcome the fight of that person who is gone, and reaffirms his memory among those who stayed to fight, as a sign that what you did in life is still present to us.
The girls and boys who were brutally killed in Candelaria are also present. Their deaths by the bourgeois security agents will not and can not be forgotten. They are my "companheiros", as shared with me the bread of poverty that is to live under the Brazilian racist capitalist system.
Max Laureano
Father and teacher.