Amores improváveis - XII.
Se reencontraram no Rio de Janeiro, logo no posto de saúde do aeroporto. Ele, asmático, falou chiando, o nome dela, ficando sem ar. Ela, em crise de bronquite, estupefata, ao encontrar logo ele, o impossível e improvável, ali.
Allahu Akbar (Deus é Grande)! Você, aqui?!Como?! E o que houve? Passando mal?
Ele começou a chorar. Ela, assustada, surpresa. Mas, ainda assim preocupada com ele. Caiu chorando no colo dela. Chorava, mal respirava. Num misto de alegria, tristeza, culpa e asma. Allah é mesmo grande, em sua infinita sabedoria e compaixão.
Se conheceram ainda crianças, em sua cidade natal, Alepo, a segunda maior cidade da Síria. Mesmo bairro, mesma mesquita. Mesmas festas, mas caminhos tão diferentes.
Ele amava platonicamente aquela menina, com seus cabelos negros como a noite no deserto. Tudo que desejava era estar perto dela. Dava mil voltas, só para, "acidentalmente", encontrar com ela no mercado, pelos caminhos comuns. E ela percebia isso. E como desejava que ele superasse aquela maldita timidez e se declarasse.
Mas, ambos tinha casamentos prometidos, como manda a tradição. E ele cumpriu a risca. Como sempre fazia. Tudo que era lei ele obedecia. A de Allah, a dos homens. Todas, sem contestar
Nisso eram diferentes. Ele, de tão obediente, subiu na vida militar. E despencou na vida de casado. Seu casamento era um desespero: brigas, humilhações. A família dela não cansava de lembrar como a dele era pobre. Se não fosse Bashar gostar daquele "cãozinho" obediente, diziam eles, ainda estaria passando fome. Mesmo tendo estudado em outro país.
Ela, pelo contrário, era a revolta em saias. Quebrava tabus. Chutava baldes. A forma de sua família não se ver em problemas foi mandá-la fazer faculdade em outro país. E lá se encontraram. Viveram um romance proibido. Mas " toda forma de amor vale a pena, toda forma de amar valerá" . Repetia ela para ele.
Mas, tudo havia acabado ao voltar. O país mudara. A Síria pegava fogo. E ela ajudava a incendiar. Protestos, manifestações. E ela em todas. Seu nome virara lenda. Sua foto, motivo de orgulho da mulher síria em luta. Fora presa. Fugira. Virara guerrilheira. Saira do país. Indo palestrar. E lá estava ele. Num posto de saúde de um aeroporto. Sem fôlego, no colo dela.
Que ele fazia ali? A perseguira?
Ele disse que viera comprar coisas, para atacar os rebeldes. Mas que desistiria de tudo, para ficar com ela. Só com ela. Não aguentava mais casamento, uma guerra civil que estava para estourar. Ficassem os dois no Brasil.Lá seriam felizes.
Ela disse que não seria feliz a custa do sofrimento de seu povo. Jogou ele no chão e saiu, com crise e tudo. As lágrimas. Elas eram de tristeza, ódio e bronquite apertando.
Agora ele lembra de tudo isso,ali, prestes a ser fuzilado, por ter se recusado a jogar o foguete com gás Sarin, no bairro onde sabiam que ela estaria. Se recusou a matar de forma tão vil e covarde seu povo. E ela...
O ditador Bashar Assad pessoalmente ordenara sua morte. Ele deveria morrer no momento em que se confirmasse que mísseis com gás tiveram efeito.
Ele tremia. O ódio, a revolta, o arrependimento, por todos os crimes horrendos que fizera naquela guerra, para defender um regime que agora percebera não ser merecedor. Imaginava ela morrendo, asfixiada. Os olhos em pânico ao perceber todos morrendo ao redor, ela a próxima.
Antes de morrer com sua tropa, lembra dela e de como seria bom viver numa Síria sem ditadura de Bashar Assad. De como poderiam ter sido felizes. O rádio do soldado, avisando as mortes por gás no bairo dela soa alto. Ele sabe que vai morrer.
Ele fecha os olhos e recita alto os versículos que ela mais gostava:
''A quem praticar o bem, seja homem ou mulher, e for fiel, concederemos uma vida agradável e premiaremos com uma recompensa, de acordo com a melhor de suas ações.'' (Alcorão Sagrado 16:97).
Se reencontraram no Rio de Janeiro, logo no posto de saúde do aeroporto. Ele, asmático, falou chiando, o nome dela, ficando sem ar. Ela, em crise de bronquite, estupefata, ao encontrar logo ele, o impossível e improvável, ali.
Allahu Akbar (Deus é Grande)! Você, aqui?!Como?! E o que houve? Passando mal?
Ele começou a chorar. Ela, assustada, surpresa. Mas, ainda assim preocupada com ele. Caiu chorando no colo dela. Chorava, mal respirava. Num misto de alegria, tristeza, culpa e asma. Allah é mesmo grande, em sua infinita sabedoria e compaixão.
Se conheceram ainda crianças, em sua cidade natal, Alepo, a segunda maior cidade da Síria. Mesmo bairro, mesma mesquita. Mesmas festas, mas caminhos tão diferentes.
Ele amava platonicamente aquela menina, com seus cabelos negros como a noite no deserto. Tudo que desejava era estar perto dela. Dava mil voltas, só para, "acidentalmente", encontrar com ela no mercado, pelos caminhos comuns. E ela percebia isso. E como desejava que ele superasse aquela maldita timidez e se declarasse.
Mas, ambos tinha casamentos prometidos, como manda a tradição. E ele cumpriu a risca. Como sempre fazia. Tudo que era lei ele obedecia. A de Allah, a dos homens. Todas, sem contestar
Nisso eram diferentes. Ele, de tão obediente, subiu na vida militar. E despencou na vida de casado. Seu casamento era um desespero: brigas, humilhações. A família dela não cansava de lembrar como a dele era pobre. Se não fosse Bashar gostar daquele "cãozinho" obediente, diziam eles, ainda estaria passando fome. Mesmo tendo estudado em outro país.
Ela, pelo contrário, era a revolta em saias. Quebrava tabus. Chutava baldes. A forma de sua família não se ver em problemas foi mandá-la fazer faculdade em outro país. E lá se encontraram. Viveram um romance proibido. Mas " toda forma de amor vale a pena, toda forma de amar valerá" . Repetia ela para ele.
Mas, tudo havia acabado ao voltar. O país mudara. A Síria pegava fogo. E ela ajudava a incendiar. Protestos, manifestações. E ela em todas. Seu nome virara lenda. Sua foto, motivo de orgulho da mulher síria em luta. Fora presa. Fugira. Virara guerrilheira. Saira do país. Indo palestrar. E lá estava ele. Num posto de saúde de um aeroporto. Sem fôlego, no colo dela.
Que ele fazia ali? A perseguira?
Ele disse que viera comprar coisas, para atacar os rebeldes. Mas que desistiria de tudo, para ficar com ela. Só com ela. Não aguentava mais casamento, uma guerra civil que estava para estourar. Ficassem os dois no Brasil.Lá seriam felizes.
Ela disse que não seria feliz a custa do sofrimento de seu povo. Jogou ele no chão e saiu, com crise e tudo. As lágrimas. Elas eram de tristeza, ódio e bronquite apertando.
Agora ele lembra de tudo isso,ali, prestes a ser fuzilado, por ter se recusado a jogar o foguete com gás Sarin, no bairro onde sabiam que ela estaria. Se recusou a matar de forma tão vil e covarde seu povo. E ela...
O ditador Bashar Assad pessoalmente ordenara sua morte. Ele deveria morrer no momento em que se confirmasse que mísseis com gás tiveram efeito.
Ele tremia. O ódio, a revolta, o arrependimento, por todos os crimes horrendos que fizera naquela guerra, para defender um regime que agora percebera não ser merecedor. Imaginava ela morrendo, asfixiada. Os olhos em pânico ao perceber todos morrendo ao redor, ela a próxima.
Antes de morrer com sua tropa, lembra dela e de como seria bom viver numa Síria sem ditadura de Bashar Assad. De como poderiam ter sido felizes. O rádio do soldado, avisando as mortes por gás no bairo dela soa alto. Ele sabe que vai morrer.
Ele fecha os olhos e recita alto os versículos que ela mais gostava:
''A quem praticar o bem, seja homem ou mulher, e for fiel, concederemos uma vida agradável e premiaremos com uma recompensa, de acordo com a melhor de suas ações.'' (Alcorão Sagrado 16:97).
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