A humanidade sempre teve seus medos, como forma de se preservar. O medo é um sentimento que visa proteger o organismo de um perigo ou de uma ameaça. Por isso, é um sentimento presente nos animais, que os faz sobreviver em ambientes difíceis e, ao seu modo, também está presente no homem, como uma herança instintiva que tem o mesmo significado: proteção contra algo ou alguém que possa fazer mal.
Levando esta questão do medo para a nossa vida, veremos que o medo no nosso dia-a-dia na maior parte das vezes é infundado, ou seja, estão presentes na mente mas não na realidade. Com isso, podemos deixar de realizar muita coisa por medo do que poderia acontecer. Mas não aconteceu – ainda – e muito provavelmente não vai acontecer.
A partir disso, várias pessoas no decorrer do tempo se aproveitaram desse sentimento para uso pessoal, tirar vantagens dos que sentem ou expressam um medo do desconhecido, do irracional, do que não podem entender. Quando Orson Wells transmitiu a adaptação de Guerra dos Mundos, de H. G.Wells, atualizando a história para o presente e alterando o formato para o de noticiário, sem avisar aos seus ouvintes, criou pânico generalizado, telefonemas desesperados para a polícia, grupos armados saindo pela noite em busca dos marcianos, pessoas cobrindo as janelas com panos úmidos e americanos preferindo o suicídio à morte por gás venenoso, como se todo o país tivesse acreditado estar ouvindo uma descrição real de uma invasão do espaço. Naquele momento, o papel do jornalismo adaptado à nova mídia que surgia, no caso o rádio, foi estudado, criando novas regras, e ética para os novos tempos, um novo jornalismo.
A Internet tem propiciado, pela aceleração da divulgação de informação (e com certeza pela falta de atenção e espírito critico de muitos pessoas) outros fenômenos de medo coletivo, mas em tempo de Facebook, Twitter, redes sociais e celebridades instantâneas, tudo circula muito mais rapidamente.
Recentemente, tivemos um novo fenômeno, invadindo um espaço bastante propício a esses dois elementos, internet e medo coletivo do desconhecido: em várias partes do mundo, foi relatado que um ritual de invocação de espíritos causou tumulto em escolas. Estudantes passaram mal após a brincadeira "Charlie Charlie", no Brasil, em vários estados do países, assim como nos EUA, Inglaterra e em muitos locais.
O ritual "Charlie Charlie" envolve colocar dois lápis um em cima do outro em forma de cruz, e escrever as palavras "sim" e "não" nos quadrados formados por eles. O invocador deve então perguntar "Charlie Charlie, você está aí?". Se um dos lápis se mover para a palavra "sim", o espírito estará presente.
"Ontem, uma menina do 8º ano começou com a brincadeira do 'Charlie'. Uma menina disse que viu o 'demônio', e outra começou a ver e espalhar para escola toda. As meninas começaram a desmaiar, ter convulsões, os pequenos do 1º ao 6º ano começaram a se enforcar a se bater", disse uma das alunas da escola. Ela não quis ser identificada, segundo relato no portal G1.
Mas, acabou-se descobrindo que o "Desafio Charlie Charlie", brincadeira que viralizou na internet e supostamente invoca um espírito chamado "Charlie", se trata de uma grande jogada de marketing do filme de terror "A Força", que tem previsão de estreia para o dia 17 de julho nos cinemas do Brasil.
O filme conta a história de um grupo de jovens que encenam uma peça teatral na escola e são assombrados pelo espírito de um ator chamado Charlie que morreu há 20 anos enquanto fazia a mesma peça, no mesmo palco. A produtora Blumhouse Productions, responsável pelo filme, ‘A Forca‘ (The Gallows), produzido por Jason Blum, responsável pelas franquias ‘Atividade Paranormal’, ‘Sobrenatural’ e ‘Uma Noite de Crime’.
A Blumhouse Productions, produtora responsável pelo filme, foi quem lançou a brincadeira no Twitter, dia 26 de Maio.
publicou um vídeo com uma brincadeira semelhante nas redes sociais, de acordo com o jornal o Dia. Já os veículos britânicos BBC e Telegraph desmistificaram a teoria de assombração que movem os objetos, e de acordo com as investigações isso ocorre pela gravidade, o equilíbrio entre as canetas e correntes de ar.
Mesmo com a divulgação da origem do mito, no Twitter a hashtag #charliecharliechallenge teve mais de 1,5 mil publicações somente em um dia. Para os desavisados, explica um texto sobre a brincadeira na web, há regras antes de brincar com Charlie: Ele é bem educado e você deve se despedir do espírito antes de parar a brincadeira.
Porém, segundo um internauta, a brincadeira é tradicional no México. Nem todos acreditam, no entanto, alguns se assustam com as supostas respostas de Charlie, gritam e correm assustados.
O que espanta nisso tudo é a rapidez com que o nosso amigo fantasminha Charlie(você está lendo este texto?) foi divulgado de forma tão rápida. Em praticamente três dias ele já havia percorrido o globo, indo de um canto a outro, aterrorizando mentes sugestionáveis, sem questionamento sobre sua origem. Ao se pesquisar na internet sobre o nome aproximadamente 481.000.000 resultados surgem como resposta.
Quando o sociólogo Barry Glassner, da Universidade da Califórnia, fez uma análise da última década, ele viu uma sociedade saltando de um susto para outro - mas, geralmente, sem nenhum motivo.
Glassner destaca o papel daquilo que ele chama de "doenças metafóricas" - simplificações que são criadas para facilitar o entendimento do público de uma doença, geralmente real.
Isto se dá principalmente pela incapacidade do público em entender os meandros da ciência por trás desses estudos. Uma das características da doença metafórica, segundo o sociólogo, é que ela não é uma doença real no sentido médico do termo - pode mesmo haver dúvidas entre especialistas se a doença de fato existe.
Como não há uma fundamentação científica direta, é comum que as doenças metafóricas tornem-se objeto de exageros, superstições e muitos boatos.
Em seu livro, Glassner demonstra que é a nossa percepção do perigo que tem aumentado, e não o nível real de risco.
Ele expõe as pessoas e organizações que manipulam nossas percepções e lucram com os medos coletivos, incluindo grupos que arrecadam dinheiro exagerando a importância e a ocorrência de doenças e os políticos que ganham eleições aumentando as preocupações sobre o crime, o uso de drogas e o terrorismo.
De um medo de fantasma, de uma assustadora brincadeira do Charlie Charlie Challenge, o qual não passou de uma jogada de marketing, a paranoias coletivas e /ou preconceitos, o medo é um excelente elemento para manipulação cínica por parte de políticos ou quem queira fazer uso dele para fins de controle social.